terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ano Novo

Dentro de breves instantes
Uma pedra descerrará o Homem
No lapidar de uma data
A tornar antes.

Baterá a meia-noite, fugidia
Das trevas, e as três palavras
Incensadas “Feliz Ano Novo”
Sentenciarão os desejos
Do momento zero postergado
Nos rostos plenos de frenesim.

Quando as primeiras chuvas
Lavarem a avenida, já poucas
Palavras restarão nos olhos
Raiados desta madrugada.
E novo ciclo há-de começar,
Não o da finitude do corpo
Humano restringido ao status
Vegetativo, mas o do cosmos
Que se expande e contrai
E volta à mesma ponte
Onde tudo começou.

Felicidades para todos!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cobranças

Sentei-me. Rodei a cadeira.
Liguei o computador.
Descarreguei os emails.
Consultei o jornal digital
E o último relatório interno
Sobre os créditos a cobrar.
O telefone tocou. Atendi.
Um fornecedor desesperado.
Exigia-me o pagamento imediato.
Recordou-me, já lhe havia
Prometido liquidar há um mês.
Menti-lhe. Eu sei. Sei que o
Tempo não está de feição
E a palavra sem substrato
Torna-se jargão. Há-de ligar-me
Novamente. Na próxima
Quinta-feira, talvez.
Talvez aí já tenha
O problema resolvido.
Ou não.

Liguei a um cliente, também.
Mandou dizer, não estava,
Tinha apanhado um avião
Para Angola. Um destino
Na moda. Assuntos inadiáveis.
Por fim, contactou-me. Pediu
Desculpa. Um mal entendido
Da secretária. O dinheiro,
Confirmou-me, havia sido
Transferido pela manhã.
Respirei de alívio.
Consultei a conta,
Efectivamente cumpriu.

Cumpri também
Com as minhas obrigações.
Recebi depois um email
De agradecimento.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A cama

A cama.
Síntese e universo,
Fragmento de corpos
Fusão de átomos.

A cama,
Rompimento e harmonia das esferas,
Violenta destruição de dogmas.
Esmagamento de estigmas…
Fruição e erupção.

Vem e sopra a aurora.

A cama
Éden das macieiras entumecidas
Onde o Adão exaspera
E a Eva fragmenta-se.
A serpente alada morde
Morde em profundidade.

A cama.
O mar volta ao leito,
O vitelo ao prado verdejante,
O sol retoma a rotina
E a espuma esvai-se
Esvai-se.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Comboio

Chegou o comboio
A alta velocidade,
Dita normalidade,
Uma serpente mecânica.
Uma multidão orgânica
Rompeu apressada
E num esgar
Atravessou a gare
E desapareceu no nada.

Pausa…

Retomou
O sentido inverso
Pois toda a estremidade
Possui a sua externalidade.

Novo multidão, de ida e regresso,
Consultava o relógio presente
E o horário do futuro.
Em fila prestava-se em frente
Da bilheteira. O administrativo
Vendia as senhas embaraçadas
De acesso. Em definitivo,
Aliviados, dirigiram-se
Ao habitáculo da carruagem
Para inicio da prezada viagem.

“Senhores passageiros, benvindos…”
Mimoseava o maquinista, “vamos
Seguir viagem Lisboa Braga
Com paragem…” continuava em revista.

O combóio partiu,
Após tal prosaico pretérito,
Deslizando silencioso
Com o Tejo aos pés.
Ainda estendi a mão
E a neblina salpicou
Os dedos de contemplação.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Poema Infiel

O corpo doo ao museu
Neste sumo de árvores
Trituradas, e suturadas
Pelas linhas, esguia silhueta,
Que o suportam.
As ideias empilho-as
Em cadeias de letras, dispersas,
Submersas, e em repuxo
Os versos vou soltando
Num labirinto, depósito
E jardim, que só os amantes
Conseguem desgostar como flores
Amputadas de pétalas que são.
Nesse lago, fragância e ismo,
O outono mergulha
A fronte e recolhe o vaporoso
Húmus pleno de vontade, dedicação.
Deleitam-se as musas dengosas
Nesse pueril poema envolto
Em espuma frugal. Poisam-se
Dúvidas, bordo de barco
Que balança e não pára.

sábado, 14 de dezembro de 2013

A prisão

A minha prisão!,
O dinheiro.

A minha prisão!,
Eu quero ter.

A minha prisão!,
Tu deves ter.

A minha prisão!,
Quero um como o teu.

A minha prisão!,
Ter! Ter! Ter!

A minha prisão!,
Para ter o que fazer?

A minha prisão!,
Tenho de me vender.

A minha prisão!,
Vender? Sim ou não!

A minha prisão!,
Sim. ¾ da vida.

A minha prisão!,
¾ da vida?

A minha prisão!,
Viver vale razão?

A minha prisão!,
Só para ter além do pão!

A minha prisão!,
Só para ter além do pão?

A minha prisão!,
Maldita distorção!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Repuxo

Posso fugir de um cão,
Da agonia de um leão,
Das voragens de um tigre,
Das cercanias de um lobo…
Mas o que mais desejo
É fugir da morte,
Esse voraz predador
Que a todos consome.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sem receio

Não tenhas receio
De ti próprio! Não!
Abre as tuas sombras,
As janelas da tua
Própria prisão. Solta
A pomba que esmeras
E voa mais alta, mais alto
Que a imaginação. Apanha
O pássaro, o único pássaro
Que sobrevoa a última
Galaxia. Voa com ele
Por que só ele expele
Felicidade. Ele canta!
Nunca o vi triste
Nem pesaroso.
Os amanhãs sucedem-se
Sem interrupção.
Mas lembra-te! Nunca
Estás sozinho. Outras
Fontes vertem a teu lado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Melodia

A alegria maior,
O sorriso absoluto,
Eu canto! Canto a natureza
Das árvores altas, altíssimas,
Que embalam a imaginação
Ao ponto mais alto
De onde tudo é sublime.

O sublime é a súmula,
Termo do não retorno.
Eu canto! Canto a voz da ave
Amanhecida num novo dia.

Canto a aurora! A melodia
Eterna do despertar.
Canto a dissipação da lua!
No beijo terno que os amantes
Temem acabar.

Eu canto! Canto a alma ingénua
Que respira a leveza de ser.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ousadia

O quadro azul!, Pétreo azul,
Prolongamento voluptuoso
Da abóbada celeste, abrigava
Uma borboleta de asas violáceas
Que extravasavam os arrabaldes
Da circunstância e da luxúria.
Tal delação, mortal veneno,
Feria de frémito o impetuoso sol,
Guarnecido como actor atento,
Instrutor da natureza,
Sobre o último dos anéis
Que procediam o Olimpo
E o vermelho tenaz
Da macro criatura imaterial,
Sequência e disposição.

A montanha complacente
Tecia a criatura aurífera, fruto
De advento meticuloso
Sob um profundo ventre
Rasgado a lava e outras
Texturas sensíveis.

O sol truculento, incomodado,
Decidiu clarear mais cedo,
E violento torrou as asas
Quistas do ousado insecto.

Perante tamanha turbulência
O pintor tomou um balde
E tornou claro o quadro azul,
Sobrepondo-lhe um branco imaculado.
Desenhou uma nova alegoria.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Avançar

Eu não amo! Não amo, não!
O amor consumiu toda a verdade
Que acumulei! Deu em nada!
Reconforto-me com a descoberta
Deste ponto esguio, como se
Uma estrada tomasse caminho
Ante o meu espectro, meu guia.
Gozo estes passos que me levam,
Levam apenas! E este apenas
É leve. Não invoco o vento,
Nem o lamento do mar, nem
A voz lânguida de Diana.
Cada passo é um caminho,
Que deixo. E deixo pegadas cheias
De fragmentos que fui. Há quem
Ouse recolhê-los. Chamem-lhe
Simbiose ou asqueroso,
É vosso o pensamento.
Não olho para trás.
Sodoma e Gomorra ficam
Nas colinas do passado,
Mas ainda me cheira a carne
Fresca debastada pelas chamas.
Recuso a saudade! O lamento!
Excrescência do passado,
Bacilo, verme e temor!,
Que arresta o cosmos
Ao que deixou de ser,
E porque não o é,
Não é legítimo que o deseje.
A saudade é mortal!
Avanço! A vereda que persigo
É larga, a noite escura, ainda bem!,
Só na escuridão consigo detectar luz,
Ou lampejos da sua existência.
Gotejando, mostra-se além,
Adjacente a todo o fluido.
Quem mergulha na escuridão,
Os dias fingem ser todos iguais
Mas na sua ausência, nem se notam.
Luz e trevas são substância
Da mesma factualidade.
Prefiro o lusco-fusco do luar,
À insolência dos polos.
Todas as rotas preludiam
O esforço em alcança-las
E alcançar é renovar
A importância da sua situação.
Não amo! As trovas que passam
São provas que hão-de voltar
Não por que as procure,
Esse não é o meu desafio,
Mas porque os presságios
Não me tornam uma ilha.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

In jacto

As lambretas passam bocejantes
Sobre a aurora nobre dos amantes
Cingidas pelo veludo afortunado das gretas.
Buços quietos, e firmes letras
Atravessam o ermo em diletantes
Arestas.

Carregam merendas
E outras prendas.
Perdem-se entre as ervas toscas
Do tenso argonauta
Verme de roscas.
O macilento odor
Espraia-se num azul
Recorrente do fugaz ardor.

Suez escape! Dislate lasso!
Perdem o pêndelo d´aço
No campo de amoras.
A estas horas?

domingo, 10 de novembro de 2013

É quase noite!

É quase noite, a noite é quase
O bastante para tolher a dimensão.
Chegas enrolada em pavor,
Com os olhos caiados no chão
De lamento. Rumina
Dentro de ti esse moinho
Da rugida mó, despida
De desejo e afecto, trucidada
Pelos subterfúgios que inventas,
A cujas escadas não sobes.
Torces toda a luz apagada
E depositas a inábil
Comiseração no estendal
Sobreposto a toda a lucidez.
É quase noite!
O prosac diluído na água
Afastou os últimos pássaros
Que assomavam à vidraça.
Lembras-te como volteavam?
Os pássaros transmutaram-se
Em gafanhotos, mas para ti,
No fusco quebranto
Ouvias o torpor dos bisontes
Rumando às ervas tenras
Abrigadas nos íngremes
Desfiladeiros.
É quase noite!
Desististe de puxar as rédeas
Que largam os gestos passados
Pela natureza, e o aluvião, que
Encontraste, desespera os corvos,
Do outro lado da vida, agonizados
Como folhas secas. É vê-los
No silêncio incógnito.
É quase noite!
A tua vida é ainda madrugada.
Fútil, achas, inútil, acrescentas.
E as esferas correm nas entranhas
Da terra. Os dias preenchem
Longas marchas. O retorno
Inventou a lança. A constante
Fixa-te no fio que admiras
Na parede.
É quase noite!
As trevas descem vagarosamente
Sobre o teu canto, o teu peito
Mergulhou na sombra.
É quase noite!

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O louco

Um louco eremita
Dirige-se para o mar
E assegura que traz
A humanidade às costas.
Pretende juntar continentes.
Vem estasiado! Expansivo!
Atrás dele torce
Uma exuberante multidão
Urdida na sua grandeza.
Barra o caminho
A quem o interpela.
Pára no grande vale
Ante o sol invicto.
Debruçado sobre uma serpente
Alvitra em brados
Um discurso incognoscível.
E das entranhas da terra
Ressoa em choro
Um canto de marasmo.
O anacoreta cambaleante
Retoma a direcção do mar,
E desaparece nas águas
Ante o peso dos ombros.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O meu povo

Não sei o que vou transpor.

Talvez o rio. O grande rio
Cujo caudal arrasta uma
Energia avassaladora,
Corrente de vida, atalho
No lamacento tardoz.
Admiramos este rio imenso,
Produto de pequeníssimas gotículas.
O anónimo fio de água vertido
De um penhasco. Uma fonte guarnecida
Entre fráguas. Um ribeiro que cresce
Resoluto no ponto mais baixo
Entre montados. Todas estas
Singelas redes engrossam a plenitude
Da massa de água e ocultam
As partículas da sua composição,
Senão não era um rio,
Era um fragmento laboratorial.

O grande povo, que é minha
Gente, sulcado pelo Atlântico,
O mediterrâneo e as costas doutro
Povo irmão. Este meu povo tem uma
Energia avassaladora, mesmo
Nas maiores adversidades.
Admiro-o. A história acumula
Respeito e grandeza.
Mas o povo é a confluência
De gente anónima, com seus projectos,
Que arrastam outras pessoas
E outros projectos. Todos estes
Projectos fazem meu povo,
Como o fizeram outrora
Quando revelaram o Brasil,
A Índia por mar, a costa africana,
E a ligação definitiva entre
Todos os continentes. Meu povo
Não é passado, perdeu o medo
E fez abril, e mostrou que as flores
Também fazem revoluções.
A revoluções o meu povo
É atreito, quantos exércitos
Temerosos não pereceram
Perante tamanha determinação?

Existência

Provoca-me alarve
A afirmação que o Homem
Existe porque o espelho
Existe. Se o Homem
Quebrasse todos os
Espelho deixaria de existir?
Ele não destrói a natureza
Para fruir de si mesmo.


Narciso flutuava sossegadamente
Após a inusitada submersão,
Todavia, a água seguia
O seu curso dentro do
Mesmo leito apesar
De sinuoso e ingrato.

domingo, 27 de outubro de 2013

Nada
Me apetece fazer
Se não contemplar
O introito que vai dentro
De
mim.


Também
Dormir não posso.
Desperto, o sono
Eterno passa mas
Não
encontra
Guarida.


Cada
Segundo pensativo
Revela um dia acrescentado
À vida, mas só
Assinalo a dobragem
Dos 365 dias
Na parede
Branca
Do quarto.


O
Quarto é o local
Sagrado que encontro.
Nele nasci, nele concebi
E nele direi adeus
À soma
Existencial.


A existência
É um procura entre a razão
E o místico desvanecer da sombra
Em direcção a um plano concreto
Moldado a barro,
Ou quiçá, subtraído ao atelier
Cujo autor procurou
Ser
Anónimo.


Anónimo? Mas não fortuito.
No traçado original
Não havia locais remotos,
Nem segmentos de recta.
Todo o horizonte era plano
E as extremidades abraçavam-se.
No entanto, a energia cósmica
Provocou a fragmentação do núcleo
E a queda
Dos
Pólos
Traz o vento irado
A torpe ironia
Sobre a existência do nada?
Conjuro em espaços paralelos
Cordas interpostas
Com linhas cruzadas
Num espelho quebrado
Preso a um tecto escuro e esquartejado.
A luz talvez sinta
As palavras agitarem-se
Como corpos soltos em debandada.
Certo? Só o mar
Que devolve as gaivotas
À terra prometida
Se soltarem todos os barcos
Amarrados em mentes cerradas.
E todas juntas em mergulho
Volatilizam suas plumas
Em ilhas e os medos em vulcões.
No deserto? Lavas de areia macia
Reflecte as estrelas
Que brilham na tua mente
Mas a sua claridade
Sobrepõe-se em camadas
Tingidas de alegria
E refutadas pelas agruras,
Porque a natureza também
É temperada, temperada
Com o sal do infinito.
Perto? Não esqueçamos
A distância mitigada pela dúvida,
Num tabuleiro
Preenchido por refutações
E novas levas de suposições.
Realcemos a proximidade da espera
E a renovada viagem
Ao que sempre fomos.
Não nos esqueçamos
Da mente quadrada
E da natureza esguia.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre uma montanha
De escória
O avarento sorri.

Sobre uma montanha
De escória
Quem tem olho é rei.

Sobre uma montanha
De escória
Balouça um pato bravo.

Sobre uma montanha
De escória
O político discorre argumentos.

Sobre a escória de políticos,
Avarentos, patos bravos,
Banqueiros, trapaceiros,
E todo o tipo de gente
Que se ergue sobre os ombros
Nús do cristo complacente,
Rasgue-se este verso!
Exploda a montanha!

Poema a duas vozes

*................................................ **

Eu calo-me ..................... Eles sofrem!
Tu calas-te .................... Eles têm fome!
Ele cala-se .................... Eles não têm voz!
Nós calamo-nos ................. Eles estão desesperados!
Vós calais-vos ................. Eles não têm tecto!
Eles calam-se................... Eles são injustiçados!
Eu calo-me ..................... Eles são espoliados!
Tu calas-te .................... Eles são rasgados!
Ele cala-se ................... Eles são esventrados!
Nós calamo-nos ................. Eles estão angustiados!
Vós calais-vos ................. Eles estão solitários!
Eles calam-se .................. Eles estão doentes!
Eu calo-me ..................... Eles são explorados!
Tu calas-te .................... Eles estão abandonados!
Ele cala-se ................... Eles sentem-se sub-humanos!
Nós calamo-nos ................. Eles estão apodrecendo!
Vós calais-vos ................ Eles estão morrendo!
Eles calam-se ................. Eles esperam a libertação!





* entoado em lengalenga
** entoado em sobreposição em tom de denúncia.

domingo, 13 de outubro de 2013

Enigma

A ambição primeira,
O santo graal de gerações,
A verdade, invectivada
Por argumentos e reformulações
Mas cuja partida é o estado
do momento zero
E a chegada é o ponto
de onde nunca se chegou
a partir pois a noite
e a neblina são espectros mudos.
Por ela levantam-se
Torres que rasgam os céus
Mas cuja amplitude
É um ponto pequenino
No caminho de um limite
Que extravasa as fronteiras
Dum horizonte constante.
Esta clarividência informe,
Ocorrida em nome da verdade,
Deforma a clara madrugada
das águas do canto da cotovia
No arresto do Homem
Ao afrontamento, à demência
Colectiva e à extorsão
Do sagrado comedimento.
Em nome dessa veemente
Verdade, criam-se novos deuses,
Espelho de fraqueza,
E superlativo de pequenez
Todavia, anunciados sem impurezas.
A grande verdade
E mãe de todas as verdades
É o poder… O maior perigo
Da humanidade.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A Àrvore da Esplanada

A frondosa árvore rústica
Talhada no largo da esplanada
Hirsuta no modo
Contemplativa no rogo
Esconde sob a capa
Rugosa que veste,
Mil gerações de loucos
Que tombaram agarrados
Ao arado e aos ferros
Rasgados obstinadamente
No ventre da mãe.
A neblina vetusta enforma-lhe
Em gravidade a comiseração
Humana. A raiz solene
Comprime o universo
E desemboca nos sete céus
Cujo primeiro é o silêncio
Etéreo e o sétimo a utopia
Que só o último grito
Permite alcançar.
O silêncio é o sopro
Do nada esventrado ao vazio,
Um passo relutante entre
Duas margens sonegadas
À batida dos argumentos
Insidiosos e aos vitupérios
Em distrate torpedeados
Por quem nega a razão
Em sua razão.
A utopia é o azul celeste
Desenhado como plataforma
Para todos os entendimentos
Para além da vontade
E da contra vontade
Que a há-de assassinar.
Desta árvore brotam jangadas
Com o lastro de ambição
Comandadas por homens
Que derivam as coordenadas
Que te induzem o movimento.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Rotundas sem tundras

A cidade é o espectro
Evolutivo do espírito lazarento
Do homem que se inventa,
E acrescenta pontes às pontes
Que antes havia alcançado,
Subtraindo himalaias
E uns quantos píncaros
Por ora não vencidos.

Não dorme… não vacila… reincarna
A imberbe busca da rarefacção
Do tempo que não fere
A sobrevivência e a comunhão.

Crescem, na cidade, árvores
Cujas folhas titubem sombras
Onde repousam seus habitáculos.
As folhas são mansas. No arrabalde
Os braços arranham os céus.
As estações sucedem-se encíclicas,
Mormente as manhãs esventradas
Pelo negro sangue solidificado
E ancorado em rios riscados
Por mãos venturosas.

Aventa-se nesta esfera a prosaica
Utilidade, o manejo do fazer,
O formatar, o desconstruir,
E voltar a erguer, mas ao contrário
Do néscio, existe uma vontade
Traçada a bom rigor.

Os bairros multicores sucedem-se
Em pormenores de criador.
Nestes acampamentos quem não
Colabora, prepara-se para o combate
Futuro, porque à memória
Do presente e do passado recusa-se
A morte. A humanidade não permite
O retorno ao infinitamente pequeno.
A ordem entronca na grande escalada
Da montanha cujo cume está
Para além das nuvens que a serpenteiam.
Por ela morreram deuses,
Os que sobrevivem estão
Hermeticamente guardados numa
Reserva cada vez mais pequena,
Cercados por mil sábios
E outras tantas bibliotecas.

Os templos também rodam
Com a escala da razão. Abandonados
Pelos deuses, intimados de poder
Incrustado em matéria,
Salientes na nova cúria
Que renega a metafísica.

A roda nascida no bosque
É na cidade que reclama realeza.
O tempo presta-lhe vassalagem,
Como natureza em queda incerta.

Incertas são também as águas.
As águas que tombam dos telhados
Sobrepostas ao entardecer
Como canto dos pássaros mudos.
Lembram-me as fontes plenas de deidades
Que nelas se refrescavam
Embebecidas pelo canto do poeta esquecido.

domingo, 15 de setembro de 2013

Tive uma insónia,
Melhor,
Esta veio ter comigo
À gare da noite escura.
Chovia.
Meu quarto lampejava em soluços
Eu transpirava em agonia.

Deitados acendemos um cigarro
Em sujas mãos cuidamos intromissões.
Nesse corpo de iguais
Destinos viajamos no espaço
Poidos do infinito
Marejar de sensações.

Fizemos amor,
Enlaçados em memórias quedas
Cujas manhãs
Bebiam na virginal natureza
Das fontes outonais,
As águas primeiras.

Toda a rua ficou
A esmorecer
Quando bateste a porta
Sem dizer o adeus da praxe,
já o sol tresandava calor,
E o meu transpirar
Bramia as bordas do lençóis.

Mar por que vais?
Por que vens?
Por quer baloiças?
Pausadamente ou violento?
Quem te embala?
Será que trazes novas?
Do além ou do Aquém?
Por vezes oiço-te chorar.
Quando falas,
Sussurras temeroso.

O teu seio é retumbante
Em vida. Devias sorrir!

Por que sufocas
Quem em ti se alimenta?
Ser-te-á o Homem ingrato?

sábado, 14 de setembro de 2013

A Praia Matisada

A areia rola no corpo
Os corpos que rolam
Rolam esbeltos.

Os corpos esbeltos
Rolam meus olhos,
Meus olhos abertos.

Olhos despertos
Em rochedos descobertos.

Sob a soberba maresia
As gaivotas reconhecem
Que o mar enfunado
As deixa inquietas em terra.

Volvo ao mar.
Ao mar que refresca
E revolto corta o cio à canícula
Saciando o avaro
Que nele ousa entrar

O amor

Jorra o amor
Na frondosa fogueira,
Inquieto e exasperado,
Inculcando vontade
De alcançar a plenitude.

Arvora-se o vermelho,
A tez de carmim
Na escusa pradaria,
Tomada de sensibilidade
E adulterada de verdejantes
Pontos de fruição.

Nesse rio corrente
Cujas probabilidades pulsam o infinito
As margens renovam
O fruto que nele emerge.
Cresce nesse estio
A frigida estação
Que tudo dá
Em troca carrega a metamorfose
Que a primavera, justa
Na medida do tempo, deforma
Em folha rasgada
De figueira.

Jorra o amor
Em tragos de felicidade
E assomos de momentos termos
Cujas delicias vertiginosas
Perpetuam o destino
Que sobre os ombros nos devora.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Canção das Flores

As flores,
As flores do meu jardim.
Um canteiro dentro de mim?
Não! Fica do lado de fora
Da estrada mas quem passa
Não dá por nada.

Rosas, açucenas, Margaridas
E todos os amores imperfeitos
Com sabor a amora
E a licor de marmelada.
Mas que fica fora da estrada
E quem passa não dá por nada.

E as camélias de seios pungentes
E lustrosas pupilas?!
E as impúdicas tulipas que deliciam
Os melosos nenúfares?!
Mas que fica fora da estrada
E quem passa não dá por nada.

E o rosmaninho? As papoias?
A grande tília de braços abertos?
Albergue de sonhos
Que só ao Homem cabe.
Mas que fica fora da estrada
E quem passa não dá por nada.

As flores do meu jardim
São assim.
Volúveis com o vento.
Selvagens e fermento.
Mas que fica fora da estrada
E quem passa não dá por nada.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Eram passos que seguia,
Com certeza, a certeza
Não me traia… E seguia.

A noite violenta horas
Horas longas e demoras
E o canto das esporas.

O amor me prendia,
Com certeza, a certeza
Não me traia. Eu sabia.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Vegetal

Vegetas! Vegetas acocorado Nos carris da não razão Sujeito a pesados Passos que ardilmente Nos arrufos das certezas Fazem-te levitar Ao encontro Da tua correspondência... Abres, lato, a concisa insconciência Numa cadência de portas Cobertas por manhãs Voláteis e pré-moldadas. Descobres nelas maravilhas Como a desnuda Alice, Cândida e obtusa no ser. As sombras cobrem-te. Mais uma vez num sem fim Segues os cavalos paridos Da montanha que formam a Manada que vai à frente. Tu os segues. A manada é o teu rosto Prescrutada pela águia Cujos pés assentam nos Teus mas cuja cabeça, a tua Não sente.

Oh madrugada! Eterno jardim!... Violeta de um rio Cujas nascentes não renovam o caudal. As nuvens aproximam-se E juram-te tempestade. Não fujas! Debaixo do teu velho carvalho As velhas entrelaçam velas E bebem sangue Em tua memória... Não fujas delas Não! Não!

sábado, 6 de julho de 2013

Cão e Gato

O gato arranha a verdade
distrate hermética
sumptuosa
E ao alcance de quem
pula os tramites que estão para
além da demagogia
evolutiva e inócua que entretém
os filhos de adão.

O cão sequioso
segura com afinco
o osso tão misterioso
quanto cavernoso
cujos limites estão na
trela que traz ao pescoço.



sexta-feira, 31 de maio de 2013

Na proa de um barco o mar agitado
lembra as curvas do inferno
E nessa estrada em progressiva
Regurgitação, as gaivotas atravessam
A imensidão e trazem-nos o medo
Preso em seus avatares.

Arvorado de espinhos
E suturado por suores inaturais
que vilipendiam a pele,
Arrestamos a matéria à água
Revoluta e intransigente.

Nessa imensa solidão que toca
o céu dos quatro quadrantes
A luta, as tréguas
As derrotas e as vitórias
Sequenciam-se e formam
a tragédia que as mãos quejandas
Registam e não apagam.

Atroz corrida em remoinho
Cuja descida ao abismo profundo
Inaugura as certezas
De uma luz que jamais
Há-de brilhar.

Este elixir encandeia as veias
E aprofunda intrépidos vitupérios
Arrastando-nos pelo infinito
De horizonte nulo.

A proa do barco
Vagueia e nem Neptuno
Nos há-de salvar.



terça-feira, 28 de maio de 2013

À janela
Rasgo na guitarra
Uma tempestade sobre
As cordas.
Servem-me ao ouvido
Um compasso de acordes
Como cavalos que ensandecem
As crinas no lúpus do pôr do sol
E rompem a geada
Com os cascos agarrados
Ao trevo despidos da letargia
Soltando arrufos e ganidos.

Agradáveis pulsões...
Fonemas libertos
Pelos dedos. Palavras
Caladas que fogem dos medos
Para serem versos sem cadência.

Um vulto acerca-se
Do lugubre casario,
Com castanholas delirantes,
Baila! Baila! em desafio,
E os rápidos movimentos
Estremecem o sapateado
Da calçada... Ao longe
Um cão com cio
Roda a fogueira
Que precede a madrugada.

E a cigarra canta
Canta versos da guitarra.
Farol!

Gigante
Imponente ergue-se
Em formação de combate,
E bramindo o vozeirão
De adamastor vai avisando
Nepturno
Que a valentia
Do castos humanos
Que ondulam no seu dorso
São frágeis comiserações
De quem foge
À indigência.

quarta-feira, 15 de maio de 2013


Menina só à janela,
Debruçada sobre o peito,
Por que tomas-te tão bela
Sem o amor para que é feito?

Corrompes a madrugada
No bar por onde demoras
Na esperança renovada
Dum ombro que em pranto choras.

Permaneces no teu canto
À espera que o mundo pare?
Desiste desse encanto
Desdobra-te em teu mar.

O amor é um rebuscado
Engenho de vis maleitas
Que roda aperto escudado
E impõe vontades atreitas.

domingo, 12 de maio de 2013


No bar
Ao pé da catedral

Corpos oníricos
Bebidos em gin e whisky…
Atropelam inauditos
Gestos bocais
Abafados pela aridez
Da música debutante.

Sobre as mesas
Copos caleidoscópicos
Aguardam pacientes
Novos tragos,
Nova imersão,
E novo toque de lábios.

Os gestos repetem-se.

Criam-se rituais…
Cruzam-se esgares.
Mirram-se corpos esbeltos.

Os cigarros ardem
Vagarosamente na berma
De um cinzeiro distraído
Pelo fumo do espaço.

O espaço referenda-se
De novas levas –
Incansável arbítrio
De veleidades do tempo
Que morre.

Afundo-me na
Gravítica orla
Das palavras non-sense
Como um texto volátil
Que se esvai do verbo
Em busca de imagens
E respostas.

Refluxo em si métrico

O homem é simétrico.
Ponto!
A noite é simétrica.
Ponto!
O caos é simétrico.
Ponto!
A lua é simétrica.
Ponto!
4´:33” é simétrico.
Ponto!
A aurora é simétrica.
Ponto!
O vácuo é simétrico.
Ponto!
A vida é simétrico.
Ponto!
O zero é simétrico.
Ponto!
A acção é simétrica.
Ponto!
Ganhar é simétrico.
Ponto!
A vontade é simétrica
Ponto!
Caminhar é simétrico
Ponto!
A voz é simétrica
Ponto!
O objectivo é simétrico
Ponto!
A preguiça é simétrica
Ponto!
Refutar é simétrico
Ponto!
A ocultação é simétrica
Ponto!
O trabalho é simétrico
Ponto!
Alegria é simétrica
Ponto!
Encher um rio é simétrico
Ponto!
A ignominia é simétrica
Ponto!
A combustão é simétrica
Ponto!
Pintar um quadro é simétrico
Ponto!
A explosão é simétrica
Ponto!
O limbo é simétrico
Ponto!
A situação é simétrica
Ponto!
Contemplar o oceano é simétrico
Ponto!
A avareza é simétrica
Ponto!
O opulento é simétrico
Ponto!
A desventura é simétrica
Ponto!
Ser injusto é simétrico
Ponto!
A fome é simétrica
Ponto!
Vociferar tempestades é simétrico
Ponto!
A superação é simétrica
Ponto!

O ponto é em si métrico.

terça-feira, 30 de abril de 2013


A noite.

No silêncio quieto
Da rua escura
As sombras lançam-se
Sobre mim como
Ramos nús
Pretendendo aconchego.

Oiço o quebrar da solidão
Pelo ronco dum carro que passa,
Pela janela que se abre
E alguém grita
Um gemido inverne
Sem nexo…

Dois corpos incandescem
Entrelaçados
À luz do candeiro.
Desenham silhuetas
E partem como se
O destino desembocasse
Ali e mais além.

Um gato
Rompe uma cerca
Fita-me na escuridão
E prossegue em seu jeito
Selvagem.

 À noite.
O Conselho de Administração
Da PRODUTORA de Cisnes
Decidiu a renovação da gama de aves:
50% nasceriam negros
25% vermelhos
20% azuis
4% multicores
E a súmula: 1% dourados.
Para certos sectores de mercado
Alguns apresentarão um estampado,
À medida do requinte do cliente.
Outros apresentarão quatro patas,
Outros quatro asas.
Os mais radicais terão multipatas.
Mas todos serão desprovidos
De penas.

A isto acrescerá um Kit de sabores.

“O mercado exige um passo à frente
Da Concorrência.Temos a patente
Registada”, dissertava um obstinado
Decisor.

A direcção de marketing
Sustentava aquele  arbítrio
Num relatório sem paralelo,
Pejado de estatísticas, gráficos,
Fotografias, tendências,
E supostas necessidades
Do consumidor, resguardado
Ainda em conjecturas,
Análise Swot e sem esquecer
A explanação da teoria dos 7 P´s.
A acção das vendas já estava
Em marcha, os protótipos
Foram bem recebidos.

A direcção financeira
Aventou as necessidades
De investimento, mas contrapôs
Lucros e promissores cash-flows.
Para financiamento propôs
Um empréstimo bancário
Cujo risco da taxa de juros
Seria coberto por uma swap.
Lucros excessivos impunham
Uma empresa sediada
Num offshore.

A direcção de produção
Inventariou as instalações,
As máquinas, os processos,
Os inputs e a localização.
Os primeiros testes
Correram muito bem.
 
Doravante,

Um cisne preto não fará
Ruir a incredulidade.
Nem a sua descoberta
Um fenómeno ao alcance
de alucinações.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Quadrados
Aos quadrados.

Quadrados justapostos.
Quadrados perpendiculares.
Quadrados sobrepostos.
Quadrados lineares.
Quadrados.

Quadrados invertidos.
Quadrados extrapolados.
Quadrados extrovertidos.
Quadrados.

Quadrados estropiados.
Quadrados atrevidos.
Quadrados empalados.
Quadrados.

Quadrados marginais.
Quadrados espaciais.
Quadrados desiguais.
Quadrados universais.
Quadrados a mais a mais.

Eu vivo num quadrado.
Em quadrados todos nós vivemos
E os nossos problemas
São quadrados.

Mas,
A raiz quadrada
Dos quadrados
É a eternidade
A raiz quadrada
da humanidade
É o Homem.
A raiz quadrada
Do criador
É o universo.
A raiz quadrada
Do absoluto
É o humilde verso.

A raiz quadrada
da Vida
É o sofrimento.
A raiz quadrada
do sofrimento
É a morte.
A raiz quadrada
da morte
É o eterno retorno
Ao quadrado.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Trovas
Palavras
Logosl...
Espinhos
Que lembram lanças.

Pétalas
Aromas
Voluvel carmim
Tez
Espasmos
De rubras
Danças.
Rosas.
Flores que pulsam a alcova
do pretérito perfeito.
Aspergem
O máximo afecto
Em correntes de admiração.

Brotam em jardins!
Flamejam em catedrais!
Pululam em oceâneos!

Que seria da maresia
Sem o seu rubor!

Eu gosto de rosas bravas
Que repousam em
Canteiros incertos
E ardem em noites vadias.

É vê-las na escuridão
Hirtas de clamor
Baloiçando
Tomadas pelo frenesim.

Ah! Rosas,
As rainhas das flores,
Também lamentam
As chagas
E o tempo tolhido
No recobro da Primavera.

segunda-feira, 15 de abril de 2013


Elisa
Desliza
Em contramão…
Desliza!
Elisa!

Ergue o estio
Descontraidamente
Liberto.
Aberto!

A noite,
Elisa,
É amiga
De todas as canções.
Zurze a tua!
Embala a Lua!

Sem camisa
O rio murmura-te
De frémito.

Sem mós
Os moinhos vão tocando
As margens presas
Nas águas seguras
Que buscas.

Partamos
Para o Oriente
Cobertos pela fragância
Das folhas secas
Que medeiam o outono.

Quando lá
Chegados,
Ouve, Elisa,
Nem todas as canções
Tornam a noite clara
E a madrugada enxuta.

O poeta,
Semeador meticuloso,
De mão concava e astuta,
Joeirou letras nos campos do nada.
Na manhã pós sonho
Apreciou a construção das frases
Numa criação que rimava

O U germinou Universo
O P germinou Planeta
O T germinou a Terra
O M germinou o Mar
O C germinou o Céu
O D germinou o Dia
O N germinou a Noite
O S germinou os Seres
O H germinou o Homem

Deus que descansava
Desde o sétimo momento,
Leu o prosélito do intencionado
Bardo… e sorriu
Em anuência.

terça-feira, 9 de abril de 2013

No silencio do olival
A ramagem bate-se
Pela aragem fresca, e
Pelas novas que sopram
Além Pirenéus.

Os ramos, quais mãos!,
Baloiçam em ondulantes
Insinuações.

O preto da folhagem
Esconde as pupilas
Que vigiam as estrelas,
Noite após noite.

As estrelas, em novembro,
Mugidas pelas sacerdotisas,
Vertem ouro
Derramam luz.
Sob a abobada
Celeste que deambula
A catedral
Rompem em catadupa
Tonificantes corvos.

Tonitruando
Em relâmpagos compungidos
Absolutizam a ordem
Inversa do universo.

Oh aroma do mau agoiro!
Oh grilhões que
Rompem os calcanhares!

Os corvos circulam
Em bando
E matizam o absoluto.

Sobre o pórtico de Auschwitz
A Humanidade escreveu
“Assim falava Zaratrusta”

domingo, 7 de abril de 2013

In Génesis

A maçã
Que Adão trazia no bolso,
Não foi furtada ao paraíso,
Da  árvore da sabedoria,
Foi a Caixa do Hipermercado
Que lha ofereceu,
Por acaso chamada Eva.

Adão e Eva
Desistiram da queda.
Trazem sacos de maçãs
Para casa
E nem por isso ficam
Em traje de figueira.

Adão e Eva
Também já não vivem no etéreo Jardim,
Aliás tornou-se numa floresta
De torres de betão,
Sulcada por auto-estradas
Compraram um modesto apartamento
No 15º Andar, fracção E,
Do Prédio n.º 456
Da Avenida da Liberdade
Da cidade ……….
De País ………….
Para o qual contraíram
Um empréstimo no banco Z.

O Curador do Pomar,
Dizem, “empresário de sucesso”,
Exporta maçãs e fruta exótica.
Tem uma grande mansão,
Um BMW e dois Ferraris
E várias contas na Suíça.
É accionista do banco Z
Membro honorário do Partido Y
E Comendador da Ordem X
(Para além de amigo
Do presidente e doutros
Caciques locais)

[X,Y,Z] – Por razões de confidencialidade,
Jurada, não vos posso revelar.
A tecnologia agita
Rudimentos do quotidiano
Que exaspera em velocidade
Na razão do acelerador.

 

A mecânica brame
Combustão, colocando
Em marcha um esqueleto ferroso
E transmigra-nos do espaço,
Outrora símbolo, voga,
Para a ultra-dimensão do devir.
Os montes que moldam meus olhos
Em abrasivos seios redondos
Despertam o calor do meio-dia.

Bate o sol na estrada
Raia o espaço submerso
Prenhe de luz
E esquálido de quotidiano.

Desce uma sombra erma
Pela rua combalida
E traz um velho na algibeira
De passado amarrotado
E aura vencida.

No oposto sentido da estrada
Avança um gabião de plumas adornadas.

Meu caro amigo,
Onde vais em burro tão aleivoso?
Bater em moinhos de vento?
Desembainha a tua espada
Nesta íngreme estrada
Que a quimera ainda vai longe!
Homem em livre pedra
Assenta a flor da madrugada
E abre a cidade sobre planos verticais.
Nesta sequência do cubo / paralelepípedo
Traça rectas severas e astutas
Sobre as quais encolhe o  tempo.

No alto da sua vontade
Colhe o céu azul celeste
E deambula pela floresta
Em Outono sombrio
Cujo semblante carregado
Faz transbordar as fontes
De negro queixume.
Tardes emersas em flores frugais
Rodadas na abóbada azul do tempo
Onde o portento Minotauro,
Em serpente, enrola as abcissas
Do protectorado celeste.
Ali campeia em ardil sossego
Com a cauda em haste levantada.
E o Homem no seu dorso agitado
Resgata à pequena metáfora
O poiso, os sentidos.

 
Nessa prece cinzelada a negro
O canto mudo da eternidade
Desenha a linha, perene trago,
Em que a natureza se esvai
E o sonho pontifica.
Agreste ave que rodeia o espaço
Empurrando o Minotauro
Com o rastejar das suas asas inflamadas.
Qual grifo! Em suas tenazes
Segura o Homem do dorso combalido.

Amanhã volta a este recanto,
Traz o lilás e o carmim,
E a natureza que ferve em mim
E me liberta este canto.

Jorra em meus braços
As veredas das serpentes aleivosas,
O néctar das mil rosas
Que faz-me noites em pedaços.

Construamos uma ponte
Figura lata de papel
Sonhemos um povo
- O renascido Homem Novo.

Tracemos uma estrada
Despida de ambição
Sem curvas de vida
- De fronte erguida.

Haverá uma nova cidade
De sorriso largo
Amparada em novos sóis
E numa entrega
Fraterna.

O Homem Novo virá!
Sairá de mim e de ti…

Trará na mão direita a luz
Na esquerda a paz.
Saía de teus lábios poesia
Inspirada nas verdes labaredas
No sol quisto de um Inverno sombrio
E nesse grande lago
Em que as potestades gregas
Todas as manhãs se banham.

Bebida dos deuses do Olimpo
Ébrio paladar desses amotinados
Que perante a cobiça  ignóbil humana
Deixaram esmorecer as portas de Tróia.

Bebiam meus lábios essa água
Em longos tragos versejantes,
E Helena lamentava em mim
O triste fado que lhe ainda arresta o coração.

Entrei no teu jogo,
Verti lamúrias
Subindo à pupila desses pomos
Observando um passado
Que não se atreveu no ser.
Ah, coração quanto te atreves!

Era o sonho, perpétuo corrupio,
Ora tragando a madrugada
Num final da tarde,
Ora acrescentando a Primavera
Num sono de Verão.

Nós florescemos
Em caminhos separados
Rendidos ao flamejar da ventura
Pois procuraste o Sol no poente
E descalço, adormeci no lado oposto.

Não há tambores, nem suave melodia
Nem marcha agoirenta, apenas breves lampejos
Quando te vi bailando agitada.

Quis o até breve
Subjugado a esse eterno pousio
Romper-se em micro instantes
E voltar a revigorar os mastros adormecidos.
Ah chama! Ah Lava! Ah …
Escusada cotovia!
Tão terna melodia.


No entanto,
Trago amargo!,
Repetiste o até depois.
Fiquei de mão estendida
Vociferei o nunca mais.
Nos picos do Outono
As águas desprendem-se dos cachos
E, avolumam o néctar dos rios
Amordaçados em peliças de carvalho.

Este aleivoso néctar
De tamanho enfado humano
Traz a neblina
Nos ramos de arenito.

E a voz que te chama
Por espasmos da natureza alucinante
Robustece a essência
O devir e a existência.

Grita! pelo teu nome
E hás-de ver sobre o limbo do infinito
Um homem do outro lado do rio
Preparando o teu barco, içando a tua bandeira.
Entra luz pequenina
E exala a esfera lilás que te expande
No rubor da natureza viva.

Joga as cores do arco íris
Em lanças da memória pura
Prescrita num céu intemporal

E, descerra uma lápide
Sobre os pueris anos que perscrutas
Rompendo da madrugada
A que cedo desponta
Sob tuas asas renovada.
A evolução do homem traduz-se
Na complexidade do modo operando
Para sobreviver…

O Homem sujeito à natureza
De servidão profunda,
Partiu as amarras…
Prendeu a natureza
Por mais agreste
E agitada.

No estio político,
Doravante
a lucidez e estupidez
Caminham como mesmo semblante.
O pretérito, O predicado, O verbo…
Digamos A Palavra,
São alarves bijutarias
De entretimento do povo.

O desejo de um iluminado


Adorava o absoluto,
A verdade…

 
Que rumo para o Homem?
A prisão!
A languidez do vento varre as colinas,
As chaminés vociferam fumo,
E nas árvores despidas
Os pássaros volteiam no agitar da ramagem,
O frio amedronta-lhes as asas,
“É Inverno”, balbuciam.

Cai neve! É Inverno! É Inverno!
Só, vou gelando numa quimera
que não chegou ao fim.

Oh! Cedo me precipitei
Nesse caminho torpe
Inventado não sei por quem,
Vi-o por uma fresta,
Segui uma voz que chamava
E caminhei… caminhei.

É Inverno! Oiço as vozes desses matizes
Que anseiam a primavera,
E eu?

Repito a canção:Cai neve! É Inverno! É Refrão.

 

Escondido no limbo,
O amor se esvai, se esvai…

A amante já não o deseja,
Boceja ao ouvi-lo mencionar,
E ri-se com tal enfado.
Tal?! foi uma falácia!,
Um engano!, anos depois
de vê-lo a arder…

Matei-o numa manhã
Quando o telefone tocou, disse,
Uma outra mo exigiu!
Deixemos a memória plena de vicissitudes,
A pieguice  das palavras que anotam
Que as palmeiras secaram,
O Rei foi deposto
O outro  o será amanhã,
E o Decreto será rectificado
Por outro  a redigir.

Coloquemos o sol no seu devido lugar,
De manhã a Nascente
À Tarde a Poente,
E todos os dias revezemo-nos
Nesta tarefa comunitária.

O húmus correrá no rosto,
Poeirento de azul celeste
Nas portas da vida
Abertas de par em par.
Gostava de voltar atrás,
Mergulhar no rosto de criança,
Para acender a luz que jaz
Ao gritar ao mundo Mudança!

Mas nesse rosto de criança
O Homem não Mendiga,
Deixou a rua, a lança,
A maleita e a intriga.

Ah!... Nesse rosto de criança.
Paredes nuas de betão
Sobre a cidade debruçadas
Num espaço sobreposto
Por gente que corre no fugaz
Acelerador do Tempo,
E inventa, inventa que sente.

Cada casa não tem cor,
Cada cor não tem  cara,
Cara que vai e vem
Na pressa de não chegar atrás,
Marcada pelo ritmo do aço.

Não sei quem tu és,
Também não interessa,
Não me preocupa!,
De manhã olho-me ao espelho
E à noite confirmo-o
Neste recanto
Em que me arrumo.

Doente, meu povo,
Neste hospício enfermo,
Velo por mim e por vós.
Velo por tudo
E com tudo,
Nunca te lembras
Do nós.
Olha esse povo! Sobre o mar
Debruçado, a última caravela
Já partiu... ele ainda aqui soçobrou.

Levanta esses olhos
Por Portugal adentro,
E agita essas papoilas
E os cravos que murcharam.

Mostra-me esse pão
E essas rosas
Que mirram o povo.

Abre os olhos
E esquece o lamento
Do não.
Ah! Nesse teu olhar
Esqueço que o vazio já foi tempo,
E o séquito também passou.
Ah! Nesse teu olhar
Abunda o ledo e os madrigais.

Ah! Nesse teu olhar
Sinto-me perdido entre o ser,
E o dever, entre a paixão.
Os chacais surgem ao entardecer,
Volvida a angústia,
E sentados nas aluviais planícies
Prescrutam a vontade que nasce
E a mansidão que os consome.

Eu sei que sou eu,
És tu, somos nós,
E todos juntos.
As planícies  secam de inércia
E  voltamos ao passado
Em desassossego.
E esquecemo-lo
Mesmo quando se poisa
na nossa fronte.
Nas manhãs de nevoeiro
Tantos sebastiões dão à costa
Uns trazem promessas
Outros alimentam certezas...
Quando o sol afronta o poente
Desfalecem em extensos areais.

Procuram enterrar o pé na areia
Fitando as pegadas
Mas o mar revolve a areia
E novos sebastiões dão à costa.
Debaixo de um penedo
Corre a água mais fria
Que o Inverno inventou, mais
Humana que a névoa,
Degolada pela aurora
Que os homens abrem nas avenidas.
O junco que se aperta,
No dorso de um cavalo peregrino, grita!
e agita as águas
Profundas como o ser.

Quando a cegueira bate à porta
Depois do meio dia
Corre com a primavera
das andorinhas e dos ardis dos canaviais.
Só oiço quimeras
Sem estrofe e sem verso
Presas nos beirais.


Envolvo o rosto na vidraça
E o mar desfalece

Passam gaivotas de folhas caídas
Sobre teu ventre, e se esvai o mar
Que alonga a vida, breve e vazia,
Como a lua esquisita na escuridão
Embalada pelo despontar da manhã.

Morro em teus braços
Bramindo o vento que os acolhe
Subtraindo à tempestade os barcos
Das índias perdidas.
Absorvo o teu breve instante
E acendo a chama dos olhos hirtos
Dos ouvidos que sussurram os lugares
Da tês que amamenta os sentidos.

Foste tua mas já não és minha
Eu sempre serei o teu que passou
E o teu que virá,
Sem janelas, sem postigo.

Jamais serei eu...
Jamais tu serás
Eu serei sempre por ti.

Na pedra corto as palavras
Em cinzeladas sob a luz do sol.
Dito sentido colorindo-lhes
O rosto com pinceladas
De suor vertidas nas mãos
Encanecidas.
Elas são a fonte,
Nós a sede.
Devolvei-as à liberdade.

Poiso sobre tuas mãos
O meu corpo em teu envolvido
Nesta dança que me devolve o aperto
E me bato contra as ondas
Rasgando o estio.

Poiso sobre tua face
Meu corpo em teu enjeitado
Volvo a matina
Num amanhecer constante
Como portas que estremecem
No fluir da alquimia.

Absorto em teus sentidos
Meu espírito se alenta,
Cortado em rodopios
Fazendo agir
Sobre um beijo profundo
A lírica das palavras subentendidas.

Estou aqui á tua procura
No teu quarto, na tua cama,
Junto de ti, eu que te aqueço!,
E tu acendes um cigarro algures

Entre vontades.

Por que não hei-de ser pássaro!
Neste esvoaçar de asas cortadas.
Eu contra o vento me atiro!

No cais da aurora
Procuro encontrar a verdade.
E todos os dias volto ao mesmo cais,
Ao mesmo mar, aos mesmos barcos
Sem encontrar horizonte.

Vejo no latir das avenidas
Os uivos dos lobos enternecidos
Com o tempo que não lhes pertence.
Voltam-se para os pés que mal sentem
Imolados num amanhã
Que se repete.

Sem Titulo


Deixa meus braços tocar em teus sonhos
Como pétalas atiradas ao vento,
Esvoaçando no aquém
Sobre as asas que quero minhas.

Deixa-me cheirar as açucenas
E o aroma que embala meus lábios
Nesse gosto perpétuo
Que a saliva leva e traz.

Deixa-me encostar o meu
Querer em teu encanto
Despertar o teu espartilho
E colocá-lo no meu ventre.

Deixa-me voltar sempre ao teu querer.