segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O anjo

Ó tu que vens
E me esperas
Do lado de fora da estrada
Sem pressas, em silêncio.
Repara na aurora
Aturdida pela resiliência do sol
Como lobo solitário
Espreitando atroz
Para romper consternação.
Para que me queres nú?
Se a nudez é o rude
Que não quero de mim.
É deste cosmos que te alimentas?
Despe o teu hábil seio! Vem-me
Matar a sede!!!!!!!!!!!!!!!!!

Jangada

Hoje é sábado,
Do um mês de Novembro
… sem o frio
Que se lhe acalentaria.

Meti na mente
Construir um poema
Sobre o medo
Da jangada que empurramos.

É uma esteira imperceptível,
Cada dia vamos um pouco
rio abaixo…
sem nos apercebermos
do queda que se abeira.

Andamos entretidos
Emborcando felizes
Esta água de distracção
E corrosão…

E vamos rio abaixo
Na jangada da ilusão
E por onde passamos
Mais ânimo nos emprestam.

Espera

Também a primavera
Tem os seus raios de sol
Espraiados no limite
Da órbita da juventude
Da terra parida.

Dessa terra prenhe de luz
Aberta em fendas dispersas,
As gretas de orvalho silenciosas
Arvoram flores tumeficadas,
E a cabeça do Homem
Sobressai repousada sobre os ramos
Tenros das nuvens que passam
Sem sombras nem hesitações.

No lume verde os carneiros
Assaltam as ideias que passam
--- como devoram montanhas!!!

A manada espera sentada, como sempre,
Á espera de novo pastor
E o cão anuncia a chegada
de uma nova era.

Novamente Setembro

Era novamente Setembro
Estavas transida no novo carro
Coberto pelo aroma húmido

Dos teus lábios.
Vertias todo o húmus
Sem palavras assumidas
E brincávamos com o ronronar
Do motor que nos levava

E trazia sempre no mesmo vagar.
O belo vincava os teus
Olhos vivos, sede e natureza.
A floresta era a força felina que os unia,
E abria a estrada para o cimo

Da montanha.
Como tu querias lá chegar!
Deste-me o acelerar do tempo
E chegamos os dois

Entrelaçados na mesma amplitude.
O verbo tornou-se fútil
Como a noite de estio
Sem ralos, sem grilos
--- só metamorfoses do eu,
Fragmentado pelo esvair
Do espectro do sol,

Rouçando as asas na penumbra.

Como era já tarde!,
Nessa tarde de Setembro.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Bairro

Escrevo do meu bairro
Adjacente ao rio
Amargurado em lágrimas,
Prensado em lamentos.
As esperanças largo-as
Na sua estrada que me leva pequeno
E mais pequeno me torna.
Sinto-lhe o cheiro das sargetas
Entupidas,
Espúrio excremento
Suavizado pela chuva
Que se lhe demora na lama.

Intranquilidade

Escrevi folhas verdes
Em palácios imaginados
Dos compêndios impedidos
De metáforas das palavras.
Em vão,
Na fraga do tempo
O outono verte
O cinza carregado:
Deserto de areias
Que move a superfície.

Carrego muros vagos
Sobre a terra verme
Que rompe a alvenaria
Desossada da natureza,
Criatura do incriado,
E pela montanha abaixo
Na planície encastrada
Pastam os meus cavalos sossegados
Cujas crinas pululam
Como ervas batidas
Pelo vento.

Pela mansidão o lobo
Corrompido pelo devaneio
Arrasta o tempo que freme.
Mas que tempo? Todo o tempo!
Invejo-lhe as nuvens
Que se lhe apagam no focinho.
Nas patas os espigões
Da morte roçam em sangue
As matrizes do medo,
E vai em frente pelo latido
Norte das suas vítimas.

Tranquilidade

Namoro a cidade,
Foz, rio de multidões,
Luz aberta sobre latitudes,
Produção de horizontes
Sobrepostos, substitutos,
Substituídos.
Lá vou achar a minha
Morada, no mais alto
Dos arranha-céus,
Onde possa imaginar
E tocar o céu das ideias
Que passam, algumas
Quero-as para mim.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O Gato

Se há animal que colhe o tojo
À meia-noite e se deita
Antes que o galo cante,
Depois de passar por todas as fontes
Para resfriar os bigodes
Erectos --- o gato!

O gato encerra a pompa do leão,
O ensejo do tigre,
A argúcia do leopardo,
A velocidade da chita,
E no pelo macio, inicia
Também as virgens
No tacto e na alegoria
Do prazer.

Abertura

Um raio
Traçado no solo
Marca a obra da natureza
E pende a luz intensa
Sobre o abismo que se abre.
Nada é acaso!... nem o vazio
Que irrompe pelo estio,
Nem a força que abre a terra
Ás raízes mais profundas
Da maior árvore que se ergue
Na cume do maior edifício.
Tudo se ergue! Ergue-se em chama!
E chama… chama pela voz
Doce que desce todos os dias
Pela alvura da madrugada.
Tu não ouves?! Sente o seu sopro!
Como se compraz quando te embala!

Hums

Restavam as asas
E todas as lamúrias perdidas
Nas delongas conversas esquecidas
Sobre o fútil e a comiseração.
Um naco de pão inerte
Ajeitava a mesa,
Quadrada como o universo,
Vaga como o espaço,
Piedosa como as mãos
Que sobre ela aquiesciam.
Os lábios redundavam
Apenas uns “hums” murmurados
Como se nada houvesse
A acrescentar nestes ombros
Encalhados.
No tempo juntava uns “sms”
Burilados no novo campo
Da rede, nesse novo cosmos
Organizado por caracteres
Singelos das novas convenções.
Ao lado, erguiam-se outras mesas,
Como metáteses multiformes
E multicores – mas a mesma
Redundância.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Debaixo do Alpendre

Debaixo do alpendre
Pinto o sol
Pinto a lua
E as palavras que voam
Tocadas pelo despertar
Do que acontece.

Nasce um rumo
Da intercepção
Do sonho azul
E do dia a dia que piso.
Sei que não nasce
Apenas para mim,
Longe desta mesquinhez
Pejada de egoísmo fortuito,
Mas saibamos que as pedras dessa caminhada
Somos nós que as assentamos.

Não há betão melhor
Que a amizade, essa goma
Que cola o eu e o teu, e forma
O nosso, o nós e o círculo
Que gere o universo.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Apenas Palavras

As palavras destiladas
Ao sol libertam
O odor das frases
Convertidas em néctar
Que as aves
Dispersam sobre o leito
Dos rios. Elas lá vão
Remando sobre os verbos
Nos desfiladeiros dos tempos
Temperadas pela adjectivação
Da bigorna
Que as processam.
Os sujeitos, que as esculpem,
Descem as montanhas andrajosas
Num deserto
De silêncio audacioso
Fundindo-se nelas
Como complemento
Da mesma acção.
Nesta fusão, todos os átomos
Das palavras são o ADN
Do próprio criador.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Amor

Fala-me de amor!
Entrelaça-me as mãos
Tão calejadas
Do dia a dia que acontece
E nos acompanha…
Fala-me de amor!
Que parte das tuas mãos
Queres para mim?
Abro-te o dia das minhas
Exalando o perfume
Das manhãs que te dou.
E esse verso? Esse verso
Que dobra a vida em romance?
Tu o conheces de cor. Eu também.
Fala-me de amor!
Do peito esventrado
De entranhas gastas,
E de todas as grutas
Escuras que revelam
A tua claridade.
Fala-me de amor!
O som perene que busca
As alturas num sem perfeito,
Mas pungente
Para atravessar montanhas
E percorrer sendas
Que à partida esmoreceriam
Na alameda da inutilidade.
Fala-me de amor!
Das palavras lançadas
Como selo das vontades.
Na verdade nós quisemos,
Desejávamos. Como desejávamos!
Fala-me de amor!
Dos jogos que me fizeste
Entrar, lendo baixinho
As entrelinhas do silêncio
E a efervescência pueril
Da rua por nós murada.
Fala-me de amor!
Da palavra que não guarda
Apenas passado, nem se
Esbateu com a tempestade
De todas as primaveras criadas.
Sei que é outono, a lareira
Acesa ainda liberta faúlhas
Para os longos invernos
Que se adivinham.
Fala-me de amor!
Nós amámos a primavera
E o louco verão do prazer.
Não podemos ganhar
Vales tenebrosos,
Nem dobrar as esquinas
Da insalubre veneração.
Fala-me de amor!
Dos teus lábios serenos,
Pulsar férreo e duradouro
Em que me deito e sonho.
Sonhamos…
Fala… fala-me de amor,
E embala-me em teus ramos
Fala-me de amor!
Fala-me de amor!

Árvore de Parede

No papel nasceu uma árvore
De rama vermelha,
Tronco roliço,
Vestindo de negro
A sombra prolongada
Pela relva azul
Salpicada de bolinhas
Amarelas.

Dobrada sobre os joelhos
A Esperança recolhia
Frutos brancos
Em forma de estrela.
Um odor irradiava
Abelhas florescentes
Carregadas de licor
De rosa silvestre.
Ao lado, caracóis magentas
Devoravam folhas encarnadas.

Só o sol, de olhos em riste,
Assistia espantado ao ressurgir
Da natureza, dobrado sobre
Uma almofada de algodão doce.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Na Rua...

Chove de remanso
Sob um chumbo mesclado.
As folhas secas
Seguem o rumo do vento,
Sem palavras
Nem argumentos.

Na tv passa
O Último Tango em Paris…
Três amigas conferenciam
Os desmandos
Das noites passadas,
Embandeirando os sacos
Das compras que carregam.

Chove de remanso
Sob um chumbo mesclado.
As folhas secas
Seguem o rumo do vento,
Sem palavras
Nem argumentos.

Poema fálico

Menires de cimento
Reproduzem-se
Sob o engenho humano
No espaço voltado
Para as estrelas.
Erguem-se como falos
Gigantes, e neles
Formigas anónimas
Encaixotam-se.
Rolam latas
Para encurtar distâncias.
Pintam o chão de negro.
Neste espaço de singular
Fragmentação, apesar
Da proximidade, o homem
Cruza a indiferença,
E engendra tarefas
Para descompor a indolência
E a inatividade.
Todos são convocados,
Cada um zela pela
Sua circunferência,
Até os mais novos
São imbuídos em tal
Similitude.

Amanhã?

O que é o amanhã?
Novo canto?
Ou o azul cálido
Aturdido na tormenta?
Prefiro a repetição
Que sobe em espiral
E nos leva a um ponto
Que não tem retorno.
Esse caminho
Lamenta os pés
Decalcados e lavados
Pela claridade ambígua.
A sereia está lá…
O silvo da víbora também.
Só o teu rio
De águas revoltas
Ainda não tem
Mar nem maré.

O pelicano

O azul que verte
Da tua varanda
Tem destino: o mar.

No cimo um menino
Manejava
Um grande pelicano De papel.
O vento puxou-o,
Firmou o fio.
O pelicano bateu asas
E o menino segui-o.
Os dois mudaram
A realidade,
Tiveram uma lua,
Um universo
Unindo as mãos
Do velho tempo.

O azul que verte
Da tua varanda
Tem destino: o mar.

Pós-moderno

Não importa o belo!
As ovelhas descem a serra
Convencidas dos pastos
Pós-modernos, debitados
Pela internet
E pelas estradas da informação.
Lambem assumidamente
Esse naco de pão,
Expelindo vapores
Carburantes.

Sentem-se simétricas
Na diagonal das estradas
E planam paralelas
Na quietude da auto-satisfação.

Os lobos espreitam-nas
Carregados de sudários
Nessas longas entranhas
Que nunca desaparecem
Nem apreciam.

Balanço

Fechei para balanço.
Dias incorridos – 365
Pequenos almoços – 365 menos ?
Almoços e Jantares – 730
Dormidas – 365
Mal dormidas – 180
Sonhos:?
Desilusões: ? muitos
Matérias orgânica:?
E inorgânica:?
Oxigénio consumido: ?
E impurezas expelidas:?
Dores de cabeça:?
Horas felizes:?
E infelizes:?
Acessos de angústia:?
E o prazer:…?
A convivência: ?
A conivência:?
As rupturas: ?
A amizade, Kgs, Litros, Kms…
Viagens pela terra?
E pelo mar:?
Também quis chegar à Lua:?
E a rua:…? E as avenidas:?
As cidades:? As aldeias:?
E as pessoas que conheci:?
Outras que evitei:?
A música, sim a música:?
Erudita, popular, etnográfica…
Fechei para balanço,
365 Dias incorridos.

Poema sujo

Tens a face
Com sangue…
Na lâmina gotejam
Lágrimas de perversão…
E um ódio de desconsolo
Egocêntrico.
Rasgaste os muros
Que ligam Berlim
A Lisboa.
As tuas horas felizes
Exasperam
Em acordes mutilados.
Só reparas no ponto
Dessa espiral concêntrica
Que te puxa,
Não resistes.
Tens a face
Com sangue negro,
As mãos descarnadas
Que deslizam
E não te seguram.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Encolhimento

O médico comunicou
Que tinha de encolher.
Sim! Leste?! “Encolher”!
Mas como se encolhe?

O receituário foi
Dormir de pernas para o ar!

Lá dormi em conformidade.

Na manhã seguinte
Acordei com uma
Montanha de palavras
No chão…
Sim, no chão!

E não conseguia falar!

Os olhos
Também não os encontrei…
Talvez estivessem
Dentro dos sapatos caídos.

Estava de pernas no ar
E vazio por dentro.

As pernas ofereci-as
De inutilidade.

Ficou o corpo
Suspenso pelos braços…

O médico comunicou-me então
Que havia encolhido.

Entrevista de Z.

Voltei a escrever
Como um pintor
Que se abstrai
E coloca pontos
Num espaço vazio.

As casas, as ruas,
As pessoas, as relações,
São traços de poesia
Por vezes, cruéis e rudes,
Outras tantas vulgares.

Fujo dessa realidade
Diversa,
Interessa-me a irrealidade,
E o espaço que está
Para lá do entendimento,
Esse é o meu lugar.
A não pode buscar B.
B foge de A num infinito
Processo labiríntico
De insubordinação.
O terreno aliena.
A poesia escreve
Sobre rupturas.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Contemplação

Deitei o cigarro
No cinzeiro vazio
E esperei pelo tempo,
O tempo
Que o consumia…

Lembrei-me de M.
Adormecida nua
Sob a minha contemplação.
Pensei na luz
Reflectida sobre o seu corpo inerte,
E nas sombras afagadas
Que sorviam o momento.

Um corpo esbelto, tranquilo…
Mantido pela fragilidade
Do sopro da respiração.

Levadas

O espaço está quente!
Todo o devir
Se lhe submete.

Virgens dengosas
Abrem-lhe a doçura
Da porta da eternidade,
E rebentam a veia
Do continuo sopro
Do ser.

Nascerão invernos
Cavernosos, primaveras
Diletantes…
As mágoas serão
Levadas de rio,
E os juncos cueiros
Que os outros tempos
Lavraram…

Cores de papel

Sonhei
Com cores em catadupa.
Branco
Vermelho
Azul
Preto
(…)
Deliravam embevecidas
E clamavam qual a mais bela?
Argumento de brilho!
Argumento de intensidade!
Meticulosa vibração,
Frieza, adulação…
Nesse debate
Descuidaram-se
Tombaram todas num balde.
Nasceu um novo
Ser, vazio de racionalidade,
Carregado de palavras,
Tons, propulsões,
Gritos, histerias…

Até o camião do lixo chegar!

Bréu encravado

No breu
Flui a relva pedestre.
Camaras de arestas
Insuflam o viscoso traste
Que agoira o nascer
Do dia.

Bate as asas meretrizes
Em sónicas pulsões
Cujos relevos
Adormecem a cândida
Aurora.

Refulge repuxos
De águas cálidas
Cujo alcance demora
A preencher o chão
Plano e incauto.

Na esteira
Estende-se o manifesto:
Há dias assim!

domingo, 25 de janeiro de 2015

Poema Luz

Sento-me sobre este P.
É anónimo… não reclama!
Sinto a face fria
E a humidade a retocar-me
A pele.

Um melro poisa
Num medronheiro…
Ao lado de P.
Contempla-me incógnito.
Hesita! Receoso…

Mexo os braços
Como uma dança
Sorvedora de vento.
O M. estranha mas avança.

Nos dedos crescem-me folhas,
Flores e frutos vermelhos.
M. perde o medo
E nidifica os meus olhos.

Amoras leitosas

A árvore dourada
De partículas mansas
Surge boreal
Nas mãos invisuais
Do mágico…
As amoras leitosas
Encrustam-lhe a pele enjeitada.
Deambula sendas
Em suavizadas montanhas
Cujos contornos
Dilatam-nos
Na profusão do sensível.

Oiçamos o mágico!
Mensagens truncadas,
Trovões, brechas,
Aluviões, loucos…
Essência? Frugalidade?
O azul tinge a face
Da virgem.