domingo, 20 de abril de 2014

Borboletas

As asas das borboletas
Encristam-se na epiderme
Voluptuosa
Quando o interior
Freme de prazer.
É vê-las nesse instante
Aprimorado, soltando
Larvas sobre cidades
De metáforas
Encrustando tons
Que a natureza
Entumece.
É nesses rios
Que transpõem
As pontes do desejo
Seduzidas por romãs
Escarlates,
Em cujo leito, o polén
Renascido
Das metamorfoses
Flui para o eterno.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Wall Street

Na berma da estrada
Para além dos arbustos
Está um homem enrascado
Com as calças na mão…
Faz-me lembrar
Um país na mesma posição
Com vontade de puxar,
Puxar (o autoclismo).
O resto cheira mal,
Porém há sempre
Um avaro seguidista
Que se apresta
A limpar-lhe o rabo
E a passar as amostras
Na bolsa de Wall Street.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Planicies Tumultuosas

Emborquei
Um copo de silêncio
E o liquido sagrado
Arvorou em mim
Mil línguas
Mil introitos,
Vozes gesticuladas
Elevadas na planície
Ceifando as cearas
Do grão amarelo,
Limpo de suor humano,
Adicionando pontes
Sobre rios tumultuosos
Das casas cinzentas
De costas afastadas
E de alicerces apodrecidos.
O sangue encheu-se
De vinho novo
E os silêncios liquidificaram-se
Enchendo as primaveras
De cordeiros e os invernos
De famintos lobos,
E nem o fogo
Apagou memórias.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Azul Insano

Rasguei o meu corpo
Na fábrica. Abri
Lanhos do tamanho
Do mundo na palma
Da mão. Quebradas
As articulações
Os ossos romperam
Ao peso da carne.
E os olhos transmutaram
O universo numa
Porção de sombras
E degredos desconexos.
Nem as entranhas
Estranharam a fuligem
Distribuída na saliva
Alimentada pelo pão
Que estomago amassa.
O canto dos pássaros
Perdeu o seu encanto
Apenas breves zumbidos
Me recordam
A sua existência.
O espaço desreconheceu
O pentagrama
Da latitude do lugar.
Sinto apenas
O normal respirar
Reparado por químicos
E outras assombrações
Que se transmigram.

domingo, 6 de abril de 2014

Emboscada

No bar da praia
As ondas tomam-me
Os pés de marés cheias
De cerrada multidão.
Néones fragmentados
Pululam esbatimento
De copos vazios
Caoticamente distribuídos
Sobre a areia burilada
Pelos pés seguidores
Dos ritmos alternados
Pelas colunas de som.
O DJ aumenta a batida.
Embalo, embalo como
Um louco contorcionista
Cujos ossos ameaçam
Desagregar-se.

No bar da praia
O amor presta-se…
Corpos nús unem-se
Ao manto de água
Salgada – e o lençol
Agita-os languidamente
Deixando a espuma
Reter um seco odor a húmus.

No bar da praia
Afundo a cabeça
Nas mãos e um desassossego
Interior vacila infinitamente
Sem o mar poder acalmar.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Balada de um Capa Negra

O infortúnio pariu um doutor.

Doutor,
O que acha da manhã?
Doutor,
Trouxe o contrato para assinar?
Doutor,
Mande-me lá esse cheque!
Doutor,
Analise e comente o que se passa.
Doutor,
Aquele carrão é seu?
Doutor,
Preciso de reunir consigo.
Doutor,
A sua esposa ligou.
Doutor,
Arrumei a sua secretária!
Doutor,
Precisa de um café?
Doutor,
O dossier desapareceu!
Doutor,
O Sr K. desmarcou a consulta!
Doutor,
O contrato está assinado.
Doutor,
O Dr. Z e o Dr. Y precisam de falar consigo.
Doutor,
Chamam-no às urgências!
Doutor,
Amanhã preciso de faltar.
Doutor,
O meu cão desmaiou.
Doutor,
As minhas análises estão aqui!
Doutor,
Por que pagamos mais impostos
E devemos cada vez mais?
Doutor,
Não temos tesouraria!
Doutor,
Há crianças com fome!
Doutor,
Por que é mais fácil construir estádios
Que hospitais e escolas?
Doutor,
Roubaste os reformados!
Doutor,
O interior do país está desertificado!
Doutor,
Os hospitais, escolas e tribunais estão a fechar!
Doutor,
E o mal que graça na justiça ?
Doutor,
K roubou 0,70 eur e foi condenado!
Y roubou 100.000.000 eur e foi condecorado!
Doutor,
Onde está a lei de mercado na água,
Luz, telefone e combustíveis?
Doutor,
Onde está o emprego prometido?
Doutor,
E o crescimento económico?
Doutor?
Por que crês na imbecilidade?

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Estilhaços

Já não oiço
A volúvel voz enamorada,
Nem suporto o peso
Dos argumentos que constróis.
Tudo desemboca
Na ria da futilidade.
Este funesto ronronar
Crónico torna a tua presença
Estilhaço do espaço
Que remexemos.

As velhas vagas esbateram-se
Disso não restam dúvidas,
O sofrimento corrói
Sem esperança,
Só os advogados gracejam
À nossa porta.