terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Ano Novo

Dentro de breves instantes
Uma pedra descerrará o Homem
No lapidar de uma data
A tornar antes.

Baterá a meia-noite, fugidia
Das trevas, e as três palavras
Incensadas “Feliz Ano Novo”
Sentenciarão os desejos
Do momento zero postergado
Nos rostos plenos de frenesim.

Quando as primeiras chuvas
Lavarem a avenida, já poucas
Palavras restarão nos olhos
Raiados desta madrugada.
E novo ciclo há-de começar,
Não o da finitude do corpo
Humano restringido ao status
Vegetativo, mas o do cosmos
Que se expande e contrai
E volta à mesma ponte
Onde tudo começou.

Felicidades para todos!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cobranças

Sentei-me. Rodei a cadeira.
Liguei o computador.
Descarreguei os emails.
Consultei o jornal digital
E o último relatório interno
Sobre os créditos a cobrar.
O telefone tocou. Atendi.
Um fornecedor desesperado.
Exigia-me o pagamento imediato.
Recordou-me, já lhe havia
Prometido liquidar há um mês.
Menti-lhe. Eu sei. Sei que o
Tempo não está de feição
E a palavra sem substrato
Torna-se jargão. Há-de ligar-me
Novamente. Na próxima
Quinta-feira, talvez.
Talvez aí já tenha
O problema resolvido.
Ou não.

Liguei a um cliente, também.
Mandou dizer, não estava,
Tinha apanhado um avião
Para Angola. Um destino
Na moda. Assuntos inadiáveis.
Por fim, contactou-me. Pediu
Desculpa. Um mal entendido
Da secretária. O dinheiro,
Confirmou-me, havia sido
Transferido pela manhã.
Respirei de alívio.
Consultei a conta,
Efectivamente cumpriu.

Cumpri também
Com as minhas obrigações.
Recebi depois um email
De agradecimento.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A cama

A cama.
Síntese e universo,
Fragmento de corpos
Fusão de átomos.

A cama,
Rompimento e harmonia das esferas,
Violenta destruição de dogmas.
Esmagamento de estigmas…
Fruição e erupção.

Vem e sopra a aurora.

A cama
Éden das macieiras entumecidas
Onde o Adão exaspera
E a Eva fragmenta-se.
A serpente alada morde
Morde em profundidade.

A cama.
O mar volta ao leito,
O vitelo ao prado verdejante,
O sol retoma a rotina
E a espuma esvai-se
Esvai-se.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Comboio

Chegou o comboio
A alta velocidade,
Dita normalidade,
Uma serpente mecânica.
Uma multidão orgânica
Rompeu apressada
E num esgar
Atravessou a gare
E desapareceu no nada.

Pausa…

Retomou
O sentido inverso
Pois toda a estremidade
Possui a sua externalidade.

Novo multidão, de ida e regresso,
Consultava o relógio presente
E o horário do futuro.
Em fila prestava-se em frente
Da bilheteira. O administrativo
Vendia as senhas embaraçadas
De acesso. Em definitivo,
Aliviados, dirigiram-se
Ao habitáculo da carruagem
Para inicio da prezada viagem.

“Senhores passageiros, benvindos…”
Mimoseava o maquinista, “vamos
Seguir viagem Lisboa Braga
Com paragem…” continuava em revista.

O combóio partiu,
Após tal prosaico pretérito,
Deslizando silencioso
Com o Tejo aos pés.
Ainda estendi a mão
E a neblina salpicou
Os dedos de contemplação.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Poema Infiel

O corpo doo ao museu
Neste sumo de árvores
Trituradas, e suturadas
Pelas linhas, esguia silhueta,
Que o suportam.
As ideias empilho-as
Em cadeias de letras, dispersas,
Submersas, e em repuxo
Os versos vou soltando
Num labirinto, depósito
E jardim, que só os amantes
Conseguem desgostar como flores
Amputadas de pétalas que são.
Nesse lago, fragância e ismo,
O outono mergulha
A fronte e recolhe o vaporoso
Húmus pleno de vontade, dedicação.
Deleitam-se as musas dengosas
Nesse pueril poema envolto
Em espuma frugal. Poisam-se
Dúvidas, bordo de barco
Que balança e não pára.

sábado, 14 de dezembro de 2013

A prisão

A minha prisão!,
O dinheiro.

A minha prisão!,
Eu quero ter.

A minha prisão!,
Tu deves ter.

A minha prisão!,
Quero um como o teu.

A minha prisão!,
Ter! Ter! Ter!

A minha prisão!,
Para ter o que fazer?

A minha prisão!,
Tenho de me vender.

A minha prisão!,
Vender? Sim ou não!

A minha prisão!,
Sim. ¾ da vida.

A minha prisão!,
¾ da vida?

A minha prisão!,
Viver vale razão?

A minha prisão!,
Só para ter além do pão!

A minha prisão!,
Só para ter além do pão?

A minha prisão!,
Maldita distorção!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Repuxo

Posso fugir de um cão,
Da agonia de um leão,
Das voragens de um tigre,
Das cercanias de um lobo…
Mas o que mais desejo
É fugir da morte,
Esse voraz predador
Que a todos consome.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sem receio

Não tenhas receio
De ti próprio! Não!
Abre as tuas sombras,
As janelas da tua
Própria prisão. Solta
A pomba que esmeras
E voa mais alta, mais alto
Que a imaginação. Apanha
O pássaro, o único pássaro
Que sobrevoa a última
Galaxia. Voa com ele
Por que só ele expele
Felicidade. Ele canta!
Nunca o vi triste
Nem pesaroso.
Os amanhãs sucedem-se
Sem interrupção.
Mas lembra-te! Nunca
Estás sozinho. Outras
Fontes vertem a teu lado.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Melodia

A alegria maior,
O sorriso absoluto,
Eu canto! Canto a natureza
Das árvores altas, altíssimas,
Que embalam a imaginação
Ao ponto mais alto
De onde tudo é sublime.

O sublime é a súmula,
Termo do não retorno.
Eu canto! Canto a voz da ave
Amanhecida num novo dia.

Canto a aurora! A melodia
Eterna do despertar.
Canto a dissipação da lua!
No beijo terno que os amantes
Temem acabar.

Eu canto! Canto a alma ingénua
Que respira a leveza de ser.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ousadia

O quadro azul!, Pétreo azul,
Prolongamento voluptuoso
Da abóbada celeste, abrigava
Uma borboleta de asas violáceas
Que extravasavam os arrabaldes
Da circunstância e da luxúria.
Tal delação, mortal veneno,
Feria de frémito o impetuoso sol,
Guarnecido como actor atento,
Instrutor da natureza,
Sobre o último dos anéis
Que procediam o Olimpo
E o vermelho tenaz
Da macro criatura imaterial,
Sequência e disposição.

A montanha complacente
Tecia a criatura aurífera, fruto
De advento meticuloso
Sob um profundo ventre
Rasgado a lava e outras
Texturas sensíveis.

O sol truculento, incomodado,
Decidiu clarear mais cedo,
E violento torrou as asas
Quistas do ousado insecto.

Perante tamanha turbulência
O pintor tomou um balde
E tornou claro o quadro azul,
Sobrepondo-lhe um branco imaculado.
Desenhou uma nova alegoria.