sexta-feira, 31 de maio de 2013

Na proa de um barco o mar agitado
lembra as curvas do inferno
E nessa estrada em progressiva
Regurgitação, as gaivotas atravessam
A imensidão e trazem-nos o medo
Preso em seus avatares.

Arvorado de espinhos
E suturado por suores inaturais
que vilipendiam a pele,
Arrestamos a matéria à água
Revoluta e intransigente.

Nessa imensa solidão que toca
o céu dos quatro quadrantes
A luta, as tréguas
As derrotas e as vitórias
Sequenciam-se e formam
a tragédia que as mãos quejandas
Registam e não apagam.

Atroz corrida em remoinho
Cuja descida ao abismo profundo
Inaugura as certezas
De uma luz que jamais
Há-de brilhar.

Este elixir encandeia as veias
E aprofunda intrépidos vitupérios
Arrastando-nos pelo infinito
De horizonte nulo.

A proa do barco
Vagueia e nem Neptuno
Nos há-de salvar.



terça-feira, 28 de maio de 2013

À janela
Rasgo na guitarra
Uma tempestade sobre
As cordas.
Servem-me ao ouvido
Um compasso de acordes
Como cavalos que ensandecem
As crinas no lúpus do pôr do sol
E rompem a geada
Com os cascos agarrados
Ao trevo despidos da letargia
Soltando arrufos e ganidos.

Agradáveis pulsões...
Fonemas libertos
Pelos dedos. Palavras
Caladas que fogem dos medos
Para serem versos sem cadência.

Um vulto acerca-se
Do lugubre casario,
Com castanholas delirantes,
Baila! Baila! em desafio,
E os rápidos movimentos
Estremecem o sapateado
Da calçada... Ao longe
Um cão com cio
Roda a fogueira
Que precede a madrugada.

E a cigarra canta
Canta versos da guitarra.
Farol!

Gigante
Imponente ergue-se
Em formação de combate,
E bramindo o vozeirão
De adamastor vai avisando
Nepturno
Que a valentia
Do castos humanos
Que ondulam no seu dorso
São frágeis comiserações
De quem foge
À indigência.

quarta-feira, 15 de maio de 2013


Menina só à janela,
Debruçada sobre o peito,
Por que tomas-te tão bela
Sem o amor para que é feito?

Corrompes a madrugada
No bar por onde demoras
Na esperança renovada
Dum ombro que em pranto choras.

Permaneces no teu canto
À espera que o mundo pare?
Desiste desse encanto
Desdobra-te em teu mar.

O amor é um rebuscado
Engenho de vis maleitas
Que roda aperto escudado
E impõe vontades atreitas.

domingo, 12 de maio de 2013


No bar
Ao pé da catedral

Corpos oníricos
Bebidos em gin e whisky…
Atropelam inauditos
Gestos bocais
Abafados pela aridez
Da música debutante.

Sobre as mesas
Copos caleidoscópicos
Aguardam pacientes
Novos tragos,
Nova imersão,
E novo toque de lábios.

Os gestos repetem-se.

Criam-se rituais…
Cruzam-se esgares.
Mirram-se corpos esbeltos.

Os cigarros ardem
Vagarosamente na berma
De um cinzeiro distraído
Pelo fumo do espaço.

O espaço referenda-se
De novas levas –
Incansável arbítrio
De veleidades do tempo
Que morre.

Afundo-me na
Gravítica orla
Das palavras non-sense
Como um texto volátil
Que se esvai do verbo
Em busca de imagens
E respostas.

Refluxo em si métrico

O homem é simétrico.
Ponto!
A noite é simétrica.
Ponto!
O caos é simétrico.
Ponto!
A lua é simétrica.
Ponto!
4´:33” é simétrico.
Ponto!
A aurora é simétrica.
Ponto!
O vácuo é simétrico.
Ponto!
A vida é simétrico.
Ponto!
O zero é simétrico.
Ponto!
A acção é simétrica.
Ponto!
Ganhar é simétrico.
Ponto!
A vontade é simétrica
Ponto!
Caminhar é simétrico
Ponto!
A voz é simétrica
Ponto!
O objectivo é simétrico
Ponto!
A preguiça é simétrica
Ponto!
Refutar é simétrico
Ponto!
A ocultação é simétrica
Ponto!
O trabalho é simétrico
Ponto!
Alegria é simétrica
Ponto!
Encher um rio é simétrico
Ponto!
A ignominia é simétrica
Ponto!
A combustão é simétrica
Ponto!
Pintar um quadro é simétrico
Ponto!
A explosão é simétrica
Ponto!
O limbo é simétrico
Ponto!
A situação é simétrica
Ponto!
Contemplar o oceano é simétrico
Ponto!
A avareza é simétrica
Ponto!
O opulento é simétrico
Ponto!
A desventura é simétrica
Ponto!
Ser injusto é simétrico
Ponto!
A fome é simétrica
Ponto!
Vociferar tempestades é simétrico
Ponto!
A superação é simétrica
Ponto!

O ponto é em si métrico.