quarta-feira, 26 de março de 2014

Trovas de embalar

Dª Ana sentada
Na porta da casa
Vigia a rua
Esguia e tortuosa.
Ninguém passa
Senão cães e gatos
Habilmente assíduos.
É meio-dia,
Avança o verão
Naquela viela.
Dª Ana estica
As pernas já
Quebradas pela idade,
E escuta as pedras
Da calçada miúda,
Da rua que passa
E que a viu nascer.
Está velha e gasta
E as paredes carcomidas
Das casas vizinhas
Assemelham-se às rugas
Que lhe investem o rosto.
A cal desmaiada
Preenche-lhe o cabelo raro
E pardacento.
Já não apregoa
No velho mercado,
A pensão chega-lhe
Pelo correio.
Nem carrega
O peso dos filhos
Que emigraram.
Toda aquela via
Está pejada de memórias
Tudo lhe é passado
Menos a ausência.
A carrinha social
Estacou… ela sorri!
O seu microcosmos
Mostra uma brecha
De contentamento,
E o negro da veste
Verte cores de emoção.
Depois despede-se
Num até breve
Esperançoso.

É tarde! A noite ligeira
Aproxima-se,
Chama por ela,
Mas não quer ouvir…
Sentada na padieira
Perscruta a rua que passa
E a rua que não quer vir.

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