segunda-feira, 31 de março de 2014

Calçada das Letras

Chegou o Outono
Na mala do Sr Stein,
Sorridente, bonacheirão
Mas dobrado ao peso
Da viagem. Descuidou
O braço vago, e o
Seu jornal soltou
As primeiras folhas
Incentivadas pelo vento
Em plena avenida
Estival. Voaram…
Voaram até o primeiro
Carro atropelar.
Ali morreram esmagadas
Mas as palavras ficaram
Impressas no chão.
Assim nasceu
A Calçada das Letras.
Assim se perpetuam
As gentes ostracizadas.

sábado, 29 de março de 2014

Sedimentos Volateis

As insígnias dos ditames
Marcadas pelo ensejo
Tornado jorro de pensamento
Aberto, sufoca as camadas brutas
Da mente como chagas sobre
A esfera da rocha sacralizada.
A volátil demora dessa pressa
Inflama um insano rodopio
Imposto nas encostas frondosas
Das escarpas insensíveis
Mergulhadas na névoa
Que as reclama.
O arrojo de quem bate
Tais palavras sedimentadas
Em tinta arremessada
Contra essa tela, vê o húmus
A escorrer e derramar
Pingos no chão.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Trovas de embalar

Dª Ana sentada
Na porta da casa
Vigia a rua
Esguia e tortuosa.
Ninguém passa
Senão cães e gatos
Habilmente assíduos.
É meio-dia,
Avança o verão
Naquela viela.
Dª Ana estica
As pernas já
Quebradas pela idade,
E escuta as pedras
Da calçada miúda,
Da rua que passa
E que a viu nascer.
Está velha e gasta
E as paredes carcomidas
Das casas vizinhas
Assemelham-se às rugas
Que lhe investem o rosto.
A cal desmaiada
Preenche-lhe o cabelo raro
E pardacento.
Já não apregoa
No velho mercado,
A pensão chega-lhe
Pelo correio.
Nem carrega
O peso dos filhos
Que emigraram.
Toda aquela via
Está pejada de memórias
Tudo lhe é passado
Menos a ausência.
A carrinha social
Estacou… ela sorri!
O seu microcosmos
Mostra uma brecha
De contentamento,
E o negro da veste
Verte cores de emoção.
Depois despede-se
Num até breve
Esperançoso.

É tarde! A noite ligeira
Aproxima-se,
Chama por ela,
Mas não quer ouvir…
Sentada na padieira
Perscruta a rua que passa
E a rua que não quer vir.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Sinais Indolores

Em verdade,
Em verdade vos digo:
“Todo o mar agitado
Tem um porto de abrigo”
Só ao alcance da perseverança.
A fé vence a montanha
Pelo cansaço,
Os cépticos morrem
Revoltados na indefinição,
E os temerosos
Submergem ao peso
Da âncora que os
Imobiliza.

As gaivotas são sinais
Mas nem todos sabem
Distinguir a ave plana
Da nuvem de tempestade.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Realidade Inversa

O cubo do sonho…
Eu sonho! Sonho para
Lá do sonho…
Deslumbramento!
Desmembramento do objecto?
Que índias e brasis
O universo ainda fecha?
Quero abrir caminho,
Pintar a rota novamente
Cruzando creres atípicos.
Vasco do Gama! Hossana…
Pedro Alvares Cabral! Aleluia!!!!
Haverá alguma jangada
No rio da vontade encorada
Que contorne o plano
E encontre o desencontro?
Resta a matéria negra
Coberta por imensas grutas,
Morada de mostrengos
E de outros mitos
Que vão caindo sob
A telescópica luneta de Ciclope.
Eu sonho,
Mas além!,
No cubo perfeito.
Encontro plenitude no cruzamento
Das etéreas leis universais,
Umas feitas de pedra
Outras de ar.
Estendo os braços
De cabeça levantada
Sobre pés hirtos
E proclamo: “sonhai
Como eu sonho”.

domingo, 9 de março de 2014

A cigarra

Canta a cigarra
O canto final de verão
E lembra quem passa
“Piores dias virão”.

As asas trinadas
Tecem hinos a finados
No desmontar da festa
Recolhe a musa fados

Pasma-se com o saco vazio
De folguedo. Oh miséria!
Na lareia encosta o frio
Sumida em matéria.

sexta-feira, 7 de março de 2014

A guitarra sem pressa

A guitarra
De cordas de lata
Solta gritos
E desata
Drama e garra
Circunscritos
Às cores
Dos barcos esquecidos.
Tremem-lhe as aspas
Em cadentes humores
Entumecidos.
Um delírio rasgado
Surpreende a harmonia
Do inerte nada
Na grande via
De lisura cortada
Por um velho arado.
A mão bate
No magna quente
E na volta
A torrente
Escolta
O seio escarlate.

A guitarra
De cordas de lata.
A lata das cordas
Da guitarra.